Educação Social: por uma pedagogia pela dignidade humana 

“ Educador Social ou Educador Popular colabora fortemente para ajudar pessoas a desenvolver resiliência frente a tudo que impede o seu pleno desenvolvimento e, a compreender o seu papel de protagonismo nas mudanças que são necessárias.” 

Por William Boudakian, Diretor Executivo do Instituto Família Barrichello 

As profissões ou funções profissionais que criamos em nosso mundo são sempre uma resposta de situações, desafios ou problemas. Nascem para tornar a vida melhor, mais confortável, mais feliz. Surgem para resolver questões ou satisfazer necessidades humanas de diversos tipos. Das mais simples, as mais complexas. O agricultor cultiva a terra e faz o alimento chegar em nossa mesa. A cozinheira prepara o alimento e ele sacia a nossa fome. O pedreiro constrói casas e edifícios e neles nos abrigamos. E o Educador, afinal o que produz? E quando falamos de Educador Social qual seria a sua entrega? 

No contexto das Organizações da Sociedade Civil – (OSC) lidamos com grandes desafios sociais. Desafios que impactam diretamente a vida das pessoas. Como compreender esses problemas tão complexos? E quem são os/as profissionais que se embrenham nesse emaranhando de relações provocando mudanças sociais? Primeiro precisamos brevemente compreender um pouco dos problemas sociais. 

Em nossa sociedade há diversos desafios sociais e econômicos que impactam diretamente no pleno desenvolvimento de cada indivíduo. Se desenvolver bem e saudável é viver muito e com boa qualidade de vida. E o que é isso? É ter oportunidade de boa alimentação, boa educação, acesso a saúde, renda, segurança, moradia adequada, lazer, esporte, liberdade de ir e vir, de acessar bens culturais, de ser respeitado enquanto pessoa independente da sua cor, religião, gênero e muito mais. Infelizmente, muitas pessoas não têm acesso ao básico. Ao mínimo para construir seu espaço no mundo. Chamamos a ausência desses direitos básicos de problemas sociais que precisam ser enfrentados por todos nós, seja governo ou a sociedade civil. 

Como exemplo, na cidade de São Paulo a depender do CEP que você nasce e vive, a chance de viver mais ou viver menos pode gerar uma diferença de até 20 anos. Isso não é algo que eu ache que aconteça, isso é uma evidência científica provada nas pesquisas realizadas pelo Movimento Nossa São Paulo há mais de 7 anos. É assustador saber que quem nasce num bairro pobre tem uma expectativa de vida de apenas 60 anos comparando com quem nasce num bairro mais abastado. Mas porque isso acontece? Qual o real problema que está por trás desta questão? Quem resolve esse problema e atua nesses contextos para promover algum tipo de transformação? 

Responder essas perguntas é um passo importante para nomearmos as manifestações da questão social: pobreza, fome, renda, violência, desemprego, desigualdade racial, de gênero, etc… Existem muitas questões sociais a serem enfrentadas e para isso é necessário profissionais capazes de ler essas realidades, compreender os reais problemas e dispor de ferramentas criativas que possam ajudar na construção de novas oportunidades e perspectivas de um futuro com mais dignidade. Essa transformação precisa considerar as questões ideológicas, culturais, sociais e acima de tudo, considerar que muitos desses problemas são estruturais. Ou seja, são frutos de uma realidade complexa causada pelas instituições que organizam a vida social, econômica e política em nosso país e controlam mecanismos de produção de riqueza e distribuição, pois como pode um país que ocupa o posto de 10ª Economia Mundial, ter pessoas passando fome? E na casa de mais de 33 milhões no ano de 2022. 

É neste cenário, que não é nada fácil, que atuam profissionais no campo da Educação Social. No Instituto Família Barrichello e em muitas organizações, professores de educação física, assistentes sociais, pedagogos e psicólogos transitam em territórios de altíssima vulnerabilidade e se conectam com pessoas em fases de vida distintas como a infância, adolescência, juventude, fase adulta e velhice e procuram com uma série de recursos criativos, intervir a partir de uma escuta ativa, acolhedora e compreensiva, considerando sempre cada ser como agente protagonista da sua mudança social. Fortalecer-se enquanto pessoa com a barriga vazia, com a mãe desempregada, em contextos de violência, morando em barracos, com baixíssima renda, etc. é muito complicado. Nessas circunstâncias onde as pessoas estão muito fragilizadas o sentimento de raiva, tristeza, revolta, agressividade é muito comum. Mas é importante caro leitor e leitora, se colocar no lugar de quem está passando por momentos como esse que não são pontuais, são contínuos e sistêmicos e muitos já herdam essa rotina de miséria de seus pais e familiares. Uma Educação Social, visa criar ambientes seguros onde as pessoas possam ser consideradas como pessoas e convidadas a se expressar de diversas maneiras, por meio da arte, do esporte, da cultura e de muitas outras formas, desenvolver habilidades e competências pessoas, relacionais, produtivas e cognitivas que num ambiente de escassez extrema, não é possível. Criar essas ilhas de esperança, onde possam passar um tempo, respirar e literalmente trocar ideias e novas ideias e poder aprender a sonhar e se projetar no futuro em papeis distintos para além do que a miséria oferece, é algo fundamental na agenda dos profissionais que atuam com Educação Social. 

No contexto brasileiro a base de uma Educação Social é construída em Paulo Freire e muito bem definido por Grasiele Nespori numa entrevista concedida a Fio Cruz em 01/06/2020, “A educação popular é importante porque reconhece as condições de vida, atua a partir da realidade, promove e organiza redes de apoio social que, neste momento, são fundamentais…A Educação Popular é definida como uma filosofia da educação, uma pedagogia, uma práxis e também um campo de saberes e práticas. Ela tem origem em movimentos sociais que insurgiram na América Latina contra os processos de colonização e os governos autoritários na segunda metade do século 20.” 

Assim, podemos concluir que o Educador Social ou Educador Popular colabora fortemente para ajudar pessoas a desenvolver resiliência frente a tudo que impede o seu pleno desenvolvimento e, a compreender o seu papel de protagonismo nas mudanças que são necessárias. Realiza um trabalho árduo que exige conexão de alma, consciência crítica e muita criatividade para facilitar essas transformações. No Instituto Família Barrichello, as atividades físicas e esportivas se configuram como uma grande alavanca para essas mudanças e ao longo de 17 anos, milhares de frutos estão sendo colhidos. Crianças podem brincar, se descobrir em espaços seguros. Jovens na universidade, trabalham e seguem um caminho de sucesso. Idosos mais saudáveis, felizes e experimentando uma vida mais plena. Famílias sendo apoiadas em diversas situações difíceis e recebendo apoio na área de segurança alimentar. 

Que possamos ampliar cada vez mais que todos nós enquanto pessoas nessa existência somos educadores sociais em potencial e que nossas atitudes e escolhas educam quem está a nossa volta.  

Referências 

Julia Neves – EPSJV/Fiocruz | 01/06/2020 11h20 – Atualizado em 01/07/2022 09h43

Santos, Karine (2019); Paulo Freire e a Educação Social: inspirações emergentes à prática emancipadora; en http://quadernsanimacio.net ; nº 29; Enero de 2019; ISSN: 1698-4404